Pensei em criar esse blog, depois que minha filha ficou doente e peregrinou por vários hospitais da cidade,até ser diagnosticada com Hipertensão Intracraniana, ou pseudotumor cerebral. Quem quiser saber o que é, há várias comunidades no Facebook onde conversamos sobre o assunto, que não será o deste blog.



Nessa experiência, passamos a viver dentro de hospitais, aprender a dividir o quarto com outro paciente, alterar todas as rotinas.



Uma das fugas pra agüentar a pressão, era escrever.



E são meus escritos que quero compartilhar com todos aqueles que se interessarem.



terça-feira, 2 de novembro de 2010

Kit sobrevivência

Depois de algumas noites no hospital, você aprende que não existe dia e noite. Isso é pra quem está fora dele.
O plantão da noite entra, acende todas as luzes, faz barulho, você dorme como pode.
O hospital tem que lidar com a demanda de exames de quem só vem pra fazer, da emergência e de quem está baixado. Alguns deixam os exames dos pacientes pra noite. Então, é comum ir pra uma ressonância às 2 da manhã, fazer raio x à meia noite. É um estresse.

Segredinho: máscara nos olhos e tampões de ouvido, daqueles que te dão quando faz ressonância. São de uma espuminha que é moldável e se adapta perfeitamente no ouvido. São tiro e queda pra abafar o ronco da colega de quarto e os barulhos indesejáveis.

O acompanhante

Fazer companhia pra quem está doente é uma arte.
Você quer que tudo se resolva, não agüenta mais ver seu familiar sofrendo, tendo dor constante, mas tem que se mostrar forte, minimizar a dor, tornar mais leve o ambiente e o astral. Jogo de cintura é pouco.
O banheiro é o lugar ideal pra cair naquele choro enquanto a paciente tá dormindo, pois dá pra abafar o choro na toalha.
Dar força é obrigação, é responsabilidade, é respeito com o sofrimento do outro.

Dor de cabeça é invisível

O paciente com dor de cabeça é invisível.
A dor não é externa, ninguém vê. E o que não se vê, não existe ou não se consegue medir.
Atualmente estamos pensando em usar um curativo bem grande em qualquer lugar do corpo, para que as pessoas vejam e achem que tem alguma coisa errada.
Quem não tem dor de cabeça, não avalia que a TV é muito alta, que o barulho do ar condicionado ou da tampa da lixeira de pedal batendo, são barulhos insuportáveis.
Quando se fala “Ela tem dor de cabeça”, o povo pergunta: “Já tomou paracetamol?”
A resposta dentro da cabeça é “pega o paracetamosl e enfia”, mas pelo respeito social, vem a frase pronta: “não resolve”. “E dipirona?, perguntam. Mas que raio: não é dor de cabeça, é dor na cabeça porque o líquor está fazendo pressão.

A diferença entre ser pai e ser mãe de paciente

PAI: chega, pergunta como está e desata uma conversa sobre qualquer coisa, menos sobre o problema (isso por uns 15 minutos). Depois sai do quarto (pra não ficar muita gente) e vai ouvir música no fone de ouvido do celular ou comprar o jornal pra ler.
MAE: chega, pergunta como está, ajuda com o café, vê o que está precisando, ajuda a ir ao banheiro, vê o que está precisando, organiza as coisas que ficaram acumuladas do dia anterior, ajuda a subir a cabeceira da cama, tira a mesa da refeição, vê se precisa de mais alguma coisa, confere roupas que faltam, guarda as roupas que precisam ser lavadas, vê como está passando, ajuda a se posicionar melhor na cama, senta um pouco, alcança a água, tenta ler. Ajuda de novo a ir no banheiro, carrega as coisas pro banho.Pensa no que pode fazer pra diminuir o desconforto. Fala com os médicos e os enfermeiros.
O pai pensa em trazer coisas. A mãe pensa em fazer coisas.
O pai é lógico. A mãe não é. Se precisar de tecnologia, computador, fones e outros eletrônicos, o pai faz isso com perfeição.
Só que chega uma hora, em que é preciso bancar o Grilo Falante e sussurar no ombro do pai: lava as roupas que estão na máquina, porque tá faltando meia. Compra comida pro cachorro, porque ele tá comendo pão integral há dois dias. Vê se as verduras da gaveta da geladeira não apodreceram.
Vamos ser boazinhas e reconhecer que se a mãe não tá lá, o pai faz tudo isso direitinho, mas se a mãe tá, é muito mais fácil deixar pra mãe.

Os parentes

Sabe quando é que você conta com eles? Quando está boa.
Ficou doente, aí vem: trabalha muito e não tem tempo de visitar; não trabalha, mas não tem tempo de visitar; acha que vai atrapalhar e não vai visitar, e outras desculpas. Se ficar doente em época de veraneio, então, não conte com a visita deles, pois ligam e te dizem que vai dar tudo certo e vão pra praia pegar um bronze. Só tem um detalhe: se for o inverso e você fizer isso, ficam de mal. Imagina, não ter tempo de ver a sobrinha, a prima, a tia, a avó.
Uma amiga dizia que parente é serpente. Outra dizia que amigo a gente escolhe e parente a gente tem e não pode trocar. Em parte é verdade, mas sempre tem uma amiga que vira a tia, a outra que se importa mais que o primo. Não sei da família dos outros, mas na nossa, quando se precisa, conta-se mais com os amigos.
Nesses momentos, a filosofia passa a ser: te importa com quem se importa contigo.

Saindo do quarto

Ficando mais  tempo, tu começas a conhecer a população do andar. A acompanhante do velhinho, que a família paga pra não ter que se ocupar cuidando dele; a esposa, cujo marido teve um AVC e faz tricô enlouquecidamente para passar o tempo; aquele paciente estranho, que operou a cabeça e já está caminhando, mas recebe visitas de duas mulheres diferentes??!!Nenhuma das duas parece a mãe ou a irmã  e ambas se despedem com beijinhos!!
A equipe de cada turno: a técnica simpática e a grossa; a fisioterapeuta eficiente e a que entra batendo o saltinho fino e tá ali mais cumprindo horário; a nutricionista, a moça da limpeza.
Importante: guarde bem o nome de todos eles, pois são quem você mais verá enquanto estiver lá, e é sempre gentil agradecer e chamar as pessoas pelo nome.
Aos poucos, começam a trocar historias de vida contigo. Uma tá com o filho doente em casa, mas está ali, cuidando da sua doença; outras, fazendo planos pra casar; o cara que sai correndo pra outro emprego.
A sensação é que se está vivendo dentro de um filme, que não queremos ver até o fim, mas não temos como sair.  

O cocô

Se você precisa tomar remédios fortes pra dor, tenha certeza: eles vão te deixar sem fazer cocô. Além disso, pra alguns, só trocar de ambiente já altera esse hábito.
Passa dia, passa dia, eles te oferecem uma bela lavagem. O nome é lindo, te propõem um enema. Tomando tudo que é remédio, fura veia, perde veia, toma soro, faz exame de sangue, de urina, ressonância, RX, o que é mais um enema?
É você sentir as tripas virando do avesso e sair correndo pro banheiro carregando o cabide do soro, esperando que a colega de quarto não tenha dor de barriga junto com você.
Dica: fale com seu médico e leve no seu kit sobrevivência uns supositórios de glicerina. Eles não atrapalham em nada, a não ser que o seu problema seja alguma obstrução, e deixam você bem mais leve, com certeza. Mas não esqueça: é preciso ver com o médico se não vai interferir no seu problema.
Se você nunca experimentou, talvez a primeira vez seja meio atrapalhada, mas tudo se aprende e a dor ensina a gemer. Com certeza o custo/ beneficio será um alívio.

Os telefonemas

Sabe aquela chata do trabalho que nunca te liga, nem sai contigo, soube que você foi pro hospital e te liga? Aluga teu ouvido e a tua dor de cabeça sem desconfiar que, se tu tá num hospital, é porque tu não tá bem, senão tu ligava pra ela pra tomar um café no shopping. Coitada. A pessoa tenta ser gentil, mas não dá, principalmente com dor. Vem com todas as frases de efeito: tudo vai melhorar, se tu precisares de alguma coisa, me liga. Tu tá passando por isso porque tu é forte pra agüentar. Deus só nos dá o que sabe que podemos suportar, e outras pérolas, tentando confortar.

Os amigos

São aqueles que estão ali contigo. Estar ali não quer dizer estar lá dentro do hospital. São todos aqueles que pensam em ti, rezam, fazem pensamento positivo, macumba, torcida organizada, botam teu nome em roda de oração, embaixo do santo, mandam mensagens, recados por outros, ligam, sofrem contigo. Enfim, quem te dá apoio quando tu não tá bem.
É uma surpresa ver gente que nem é tão intimo e se solidariza contigo, como aquele vizinho que é meio durão, que a gente mal se vê no prédio e vem te visitar, dizer que se importa com tua saúde.
Essa rede que se forma, é invisível aos olhos, mas totalmente palpável na emoção. Quando amigos  te apóiam, a dor fica mais suportável.

Quando rodar à baiana

A situação mais difícil de enfrentar é quando a colega de quarto NÃO SABE que está num hospital e pensa que pode fazer piquenique à meia noite, com TV e tudo o mais.
Aí é hora de bancar a maluca e pedir pra trocar de quarto.
Nesse momento, é preciso puxar a diplomacia do dedão do pé e explicar calmamente que a paciente não está tão mal quanto faz parecer, que você não dorme porque ela faz piquenique, ou joga carta com o marido à meia noite, que o dito usa o banheiro dos pacientes e urina no assento do vaso sanitário, e que você, pobre paciente, só quer dormir, melhorar e ir embora, mas enquanto não dá, que pelo menos tenha sossego.

A dipi

Lidar com a dor talvez seja a situação mais estressante, pois você fica no limite da impotência.
A cada troca de turno, se você pede remédio pra dor, vem a maldita seringuinha de dipirona.
A dor já está no limite do insuportável e eles querem te empurrar a dipi. Só quem sabe do nível da sua dor é você.
Quando dá vontade de botar o enfermeiro a correr, porque diz que não tem nada no seu prontuário, mas você sabe que o médico deixou, peça pra ver o seu prontuário. Lá vai estar anotadinho aquela maravilha de medicamento que alivia ou tira a sua dor, e que os técnicos relutam em dar.

Os remédios

Vai ter horários fixos de medicamento?
Mais uma dica: leva uma agenda ou caderninho junto. Anota todos os nomes e a hora do que estão te dando. Sempre acontece de furar algum horário, atrasar, etc.
A rotina da enfermagem é dura, corrida e, na hora que tocam várias campainhas ao mesmo tempo, nem sempre você é o primeiro a ser atendido.
Se você toma algum remédio em jejum, antes do café, é sempre bom ter uma reserva sua, pois várias vezes ele vai chegar junto com o café, mesmo que o médico tenha prescrito meia hora antes.

As mazelas

Ouvir as lamúrias da paciente do lado é de matar.
Não dá pra viver o teu problema e o do outro, mas tem gente que aluga o teu ouvido pra desfiar o rosário.
A cortininha que separa as camas é uma aliada nessas horas. Mostra até onde vai o teu limite e o teu espaço.

Hora de comer

Essa é a parte boa, quando a comida é boa. Mas mesmo assim, é comida na hora certa, sem cozinha pra limpar depois.
Pro acompanhante, restam as cafeterias e bares, mas até que hoje em dia estão se preocupando mais em melhorar o que é servido nesses lugares. Tem uns bolinhos caseiros com café com leite, que são uma delícia, principalmente porque acompanhante não tem hora certa pra comer. Come quando dá.
Alguém já comeu torrada e café no banheiro, Sentada na tampa do vaso, à meia-noite? Quando é necessário, a gente faz isso, pra não acender a luz e perturbar o sono dos pacientes.

A visita do médico

Essa é uma historia à parte.
1°- não tem hora
2°ele te pergunta uma coisa e parece que não ouviu o que tu respondes
3°- não tenta dizer que não agüenta mais, nem chora, porque eles não aguentam isso, acham que tu tá estressada, dão calmante, etc.
Em hospital escola tem os residentes. Aí, tem toda uma hierarquia. Tem o pirata, o papagaio do pirata, aquele que tá sempre grudadinho no médico, e os periquitos do pirata, aquele bando que fica em volta. Tem o da planilha, que anota tudo, tem aquele que quer agradar e faz perguntas nada a ver, como “tu faz faculdade onde?” ????? – quando a pessoa tá morrendo de dor!! Ou: “tu tá com dor onde?” – quando a pessoa baixou num hospital de neuro por dor de cabeça. A resposta na cabeça todo mundo sabe qual é!

Arroz de festa

As técnicas de enfermagem são uns amores, em sua maioria. Atenciosas, organizadas, sabem seu nome. Mas cada uma tem o seu jeito.
Os mais aparecidos:
- a arroz de festa: ela é atenciosa, mas no fundo da sua vozinha alegre, parece que é meio forçada pra ser gentil e salta a toda hora na sua frente, fazendo um CHEGUEI!
- o piadista- faz piada o tempo todo e tu não sabes se tá falado sério.
- o pau-pra toda-obra: é sempre chamado quando tem que fazer força,  tirar os gordinhos da cama, usar o muque.
- a discreta: entra e sai com a mesma elegância, fala manso, cabelo sempre arrumado, não é de muitas palavras, mas dá conta do recado.
- a antipática: tu faz uma perguntinha e ela devolve uma resposta, junto com a marca da ferradura na tua testa. E não pensem que não tem, porque tem!!

Dividindo o banheiro

Pode parecer mentira, mas ainda não conseguimos pegar uma colega de quarto que use o banheiro e deixe 100%.
A pior coisa é banheiro sujo.
Uma dica importante: no hospital não se deve usar perfumes de banheiro, detergentes bactericidas e similares. Não permitem usar nem enxaguante bucal com ação bactericida. Por quê? Porque as bactérias não eliminadas se tornam mais resistentes e para combatê-las é difícil . Isso favorece a infecção hospitalar. A limpeza dos quartos é feita só com água sanitária e álcool.
Aí volta a dica do borrifador com álcool. Você não estará interferindo na limpeza do hospital. Só se prevenindo.
Mas no geral, parece que as pessoas não dão muita bola pra higiene do banheiro e nós, as neuróticas, não podemos ver o banheiro sujo e ter que compartilhar. Esse é mais um  jogo de cintura  que a gente aprende dividindo o espaço.

O barraco da Creusa

Dá pra imaginar a cena?
Você entra no quarto semiprivativo, já pensando em quem vai encontrar, como vai dar pra lidar com a  sua doença e mais a do paciente do lado e encontra a cena: banheiro cheio de roupas lavadas e penduradas, inclusive as meias do Creuso, que dorme lá, porque a mulher tem histórico de depressão e quer morrer, presas com piranha de cabelo na beira da janela; uma bandeja com comida (da outra) sobre a mesa que deveria ser a sua e estar vazia lhe esperando: limpa e sem nada em cima!!; um frigobar com os potinhos plásticos das saladas cheios de sobras de comida que a Creusa guarda das refeições do paciente pra quando o Creuso chegar do trabalho pra ficar com ela. Só que o Creuso se atrasa e ela liga botando os cachorros. Aí o Creuso chega às 22h com janta pros dois, coca-cola e louco pra conversar. Detalhe: a Creusa faz hemodiálise, é diabética, o rim não funciona, coitada. Só que quando ela volta da hemodiálise pega o macinho de cigarros, isqueiro e desce pra frente do hospital pra fumar!! Não duvide. Aí, tu pensa: quem mandou tua família te dar educação e ensinar a respeitar o, espaço dos outros.
É aí que entra o “rodar à baiana”
Seu direito de paciente é poder descansar e você pede pra providenciarem sua ida pra outro quarto.
Nessas várias hospitalizações, o que descobrimos é que tem gente que faz isso pra se passar por louca e, com isso, consegue ir ficando sozinha no quarto, porque ninguém doente agüenta uma situação assim. E aí, a esperta fica com quarto privativo!!
Por isso é importante sempre manter a cordialidade com o pessoal do posto de enfermagem, pois nessas horas precisamos que interfiram a nosso favor. Você precisa deles mais do que imagina.

O banheiro

No semi privativo, além da cruz de dividir o quarto com quem não se conhece, tem também a divisão do banheiro.
Vai desde a freirinha que não pode sair da cama (aleluia!! O banheiro é só meu!!), até a Creusa que vem com o marido e os dois tomam banho, deixam o banheiro todo molhado, roupa lavada pendurada, parece o puxadinho da casa.
Não achem que é ficção. Já passamos por isso. E o casal era da capital. Às vezes isso acontece quando a paciente é do interior e o acompanhante não tem onde ficar, mas naquele caso, era acampamento mesmo. O cara chegava do trabalho no final do dia e ia descansar no hospital.
Nessas sete hospitalizações demos alguma sorte. Várias pacientes estavam presas ao leito e o banheiro ficava só pra uma, mas nem sempre é assim.
Uma dica ótima é comprar um borrifador em qualquer 1,99 e levar com álcool para o quarto. Fazemos sempre isso, quando a Mari interna. Faço uma passada geral de álcool em tudo: trinco de porta, torneira, assento de vaso, Box, mesa de refeições. Depois, é só deixar guardadinho no armário do quarto pra quando precisar.
Na correria do serviço do hospital, nem sempre dá tempo do pessoal da limpeza higienizar a mesa de refeições. Se não tem álcool que levou de casa, pega toalha de papel e o álcool que é colocado nos dispensers do quarto, só que esse seca mais rápido.

O motivo do blog

Pensei em criar esse blog, depois que minha filha ficou doente e peregrinou por vários hospitais da cidade,até ser diagnosticada com Hipertensão Intracraniana, ou pseudotumor cerebral. Quem quiser saber o que é, há uma comunidade no Orkut onde conversamos sobre o assunto.
Nessa experiência, passamos a viver dentro de hospitais, aprender a dividir o quarto com outro paciente, alterar todas as rotinas.
Uma das fugas pra agüentar a pressão, era escrever.
E são meus escritos que quero compartilhar com todos aqueles que se interessarem.